12.29.2010

Sinais de Fogo

"Fui para a casa de banho, a pensar naquela filosofia: "não te desgraces, nem a nós", como se desgraçar voluntariamente ou por inadvertência, ou por inesperada consequência, os outros fosse decididamente secundário. Tremi, reconhecendo naquilo o pior dos egoísmos, sem dúvida. O egoísmo da inocência, da ignorância, do conformismo, o egoísmo pavoroso dos que se querem, e querem os outros, inocentes, ignorantes, e conformados, cada um fechado sossegadamente na sua paz, e defendendo pior que com ferocidade, com bondade e até honesta doçura, as fronteiras invioláveis do seu primeiro, segundo ou terceiro andar, mais as pratas e os filhos, contra a invasão de qualquer grito de angústia."

Jorge de Sena, Sinais de Fogo

12.27.2010

Naïveté II


Por algum motivo que continuo a ignorar, desde dia 23 de Dezembro que cheira mal à porta do meu prédio. O cheiro tem-se transmutado e agora atingiu o ponto de não retorno em que a entrada mais parece a antecâmara de uma bela pocilga, com um cheiro que lembra uma mistura entre palha e comida a decompor-se - como cheiro complexo que é, não me vou alongar na sua definição e deixo espaço à vossa imaginação.
Esse cheiro transporta-me para as férias na aldeia dos meus avós ... só que aí eu podia escolher a que distância queria estar dos porcos e dos seus perfumes, enquanto que aqui sou submetida à tortura cada vez que quero contactar com o mundo exterior!
Decidi dedicar-me aos lavores - não que o odor pestilento penetre na habitação, mas intriga-me e não quero dedicar-me pensar na sua origem (se cheirasse simpesmente a fossa, até era compreensível ... volta meia volta esta cidade adquire esse cheirinho, agora a pocilga?!) - e resignei-me a suster a respiração cada vez que tenho de cruzar a porta.

Eu sei que vou te amar


Descobri que a cabeça da x encaixa na perfeição no meu pescoço quando, à noite, nos perdemos em conversas.
A x descobriu que a estação de rádio de nome manhoso em que está sintonizada a minha aparelhagem passa música realmente boa. 

12.18.2010

Caça ao Apartamento

A par da quadra natalícia, sem eu saber bem porquê, iniciou-se por estas bandas a saga da caça ao imóvel!
Revela, aliás, algumas semelhanças com a verdadeira abertura da época de caça:
-inexiste uma razão suficientemente precisa e determinável para que comece num dia e não no outro (num dia estava tudo muito bem - eu a pensar pôr um ponto de ordem no caos que por aqui se vive - no outro estamos a visitar um T3 fantástico e a sermos bombardeados com 200 anúncios de apartamentos diversos);
-o território de pesquisa é limitado: centro, mesmo centro, da cidade (aparentemente, mudar, nem que seja para o quarteirão abaixo, é bom);
-todos procuram subverter as boas práticas, sem que haja qualquer respeito por horários (o progenitor deita-se tarde e a más horas porque está em frente ao computador a analisar o mercado, dorme mal a equacionar as hipóteses disponíveis e acorda as 7:30h a falar no assunto);
-espoleta a agressividade que há em nós: procuramos descredibilizar os argumentos do outro ou limitamo-nos a manipulá-lo, sem que ele perceba, para que espontaneamente adopte a nossa posição (basicamente, deixamo-lo enrolar-se e meter o pé na poça para perceber que tínhamos razão, pelo prazer de fazer o olhar de "eu bem te disse"); e
-no fim do dia, damos por nós frustrados porque falámos demais, não conseguimos chegar a um acordo e não caçámos nada que valha realmente a pena e sobre que pudesse haver consenso.
Para simplificar:
-o progenitor chega a casa dizendo ter visto um T3 espectacular - o que é inteiramente verdade, facto que me irrita profundamente - mas, entretanto, já se virou para os T1's e, de acordo com as últimas informações, equaciona agora a possibilidade de investir numa casa para recuperar (aprecio pessoas que são dinâmicas e capazas de se adaptarem aos condicionalismos, mas esta rapidez transcende-me ... serei também eu assim tão confusa?!);
-a progenitora apenas quer sair desta casa por achar que, daqui para a frente, ela dará cada vez mais problemas e duvida que a nossa vida possa caber num T1;
-eu só queria arrumar os livros, começar na estante da sala e terminar no escritório, pôr umas prateleiras no meu quarto e tentar redecorá-lo ... mas o bicho da mudança está descontrolado por estes lados! Continuo sem perceber muito bem por que é que para o progenitor a tipologia T2 parece inexistir, mas, quanto a este problema, procurarei utilizar a técnica da manipulação.

A única forma de me abstrair desta loucura é fazer as prendas para as primas mais novas, daí os últimos dias terem sido tão produtivos.

12.16.2010

Naïveté


A confusão do Natal já se instala, já é impossível descer a Rua da Alegria sem se demorar pelo menos 20 minutos - isto se não se cair no erro de ir de carro até aos Poveiros, escolha que pode levar a que o tempo do trajecto ultrapasse a meia hora - o que deixa o ser humano médio sensível e irritadiço.
Sábado à tarde na baixa é impossível lanchar numa pastelaria decente e, se por golpe de sorte conseguimos lá entrar, já todos os bolos foram rapinados, as caixas das lojas têm filas intermináveis, as pessoas tendem a abalrroar-me e os bebés choram histericamente por não lhes darem atenção.
Face a esta selva natalícia, opto por ficar em casa a fazer presentes para as crianças da família.

12.13.2010

Sopas

Decidi que precisava de aprender a fazer um prato novo ... canso-me facilmente de fazer sempre a mesma receita (mesmo que saiba que, desse modo, há mais probabilidades de ela sair melhor!). Mas a principal razão para investir na sopa de cogumelos foi não querer perder terreno para o progenitor!
Assim, decidi pesquisar e descobri que (lembrem-se que para mim 3 casos são suficientes para elaborar um estudo fidedigno): cerca de 60% das receitas incluem natas (arredondo para baixo porque havia mais duas ou três resceitas que não cheguei a ver), algumas almas peregrinas atrevem-se a fazer sopas com cogumelos enlatados e não encontrei a receita do progenitor que levava croutons (o que me leva a pensar: onde é que ele desencantou aquilo? Por fim, percebo que ainda bem que desisti dos croutons porque, francamente, não gosto de nada que envolva frigideiras e azeite ... é uma mania).

Esta foi a primeira tentativa ... denotou algumas deficiências, mas julgo que a culpa se ficou a dever ao autor da mesma. De referir que todos aqueles que provaram o manjar continuam vivos e de boa saúde, apesar da quantidade exagerada de cebola que se vê a boiar no prato. 


A segunda tentativa incluiu um certo grau de inovação que é como quem diz: o vermute foi substituído por aguardente, a cebola (parcialmente) por courgette e passei a base da sopa antes de juntar os cogumelos e as natas, cuja quantidade foi reduzida.
Pontos comuns: continuam a inexistir vítimas dos meus cozinhados!


No final do jantar, era ver os sorrisos nos rostos dos familiares, sobretudo dos progenitores, quer por me ter esforçado para preparar tal repasto, quer por estar a dar continuidade ao trabalho de recolecção de que eles tanto se orgulham!
E assim fiz nove pessoas felizes!

12.08.2010

Do You Love Me (Now that I Can Dance)


sou um pouco nostálgica e o meu pé não resiste a dançar quando ouço esta música (não sei bem se lhe posso chamar dançar ou se é apenas uma espécie de espasmos involuntários) ... foi o que aconteceu ontem quando os primeiros acordes da canção soaram!

12.05.2010

12.02.2010

É ciência

A progenitora diz: "olhei para o céu e vi um bando de gaivotas a voar em "v" e depois olhei para o rio e vi um cardume de peixes a nadar também em "v". Um homem chinês disse que tudo o que existe no céu existe no mar, como se fosse um reflexo".
Lamentei desiludi-la, mas não pude resistir: é apenas uma questão de aerodinâmica, tal como acontece no ciclismo. Ao voarem/nadarem/pedalarem atrás da ave/peixe/ciclista que lidera, poupam energia uma vez que aproveitam a deslocação do ar/água, onde a resistência é menor. É por a liderança ser mais cansativa do que seguir pelo caminho já trilhado que se vão revezando nessa tarefa.
E assim estraguei uma reflexão de um fim-de-semana à beira mar .. mas o meu pragmatismo estava descontrolado: é giro? sim .. mas é apenas física!
(Bem, não será apenas aerodinâmica, o instinto de sobrevivência também terá aqui uma palavrinha - também permite um melhor campo de visão - , mas não deixa de ser uma questão eminentemente física!)

12.01.2010

11.29.2010

Route 66


Fiz o progenitor parar na estrada para fotografar aqueles montes .. mais sítios houvesse onde pudesse parar naquela estrada e mais vezes teria feito o progenitor sacar da máquina fotográfica para capturar aquela paisagem. Claro que nenhuma imagem pode captar o gozo que me estava a dar conduzir ali (sim, pelos vistos às vezes até gosto de conduzir .. é raro, mas acontece), principalmente quando o caminho para vimioso é cheio destas pequenas pérolas que me dão vontade de percorrer as estradas nacionais deste país.
Uma reminiscência do tempo em que ouvia janis - "freedom's just another word for nothing left to lose, nothing don't mean nothing, honey, if it ain't free" - e, simultaneamente, um desejo de viajar e viver o som da música "Route 66".

11.22.2010

Pedaço de Mim II

A melhor crónica do amor que findou ... espanta-me a forma como alguém pode cantar tão bem o amor em todas as suas feições.

Pedaço de Mim

11.15.2010

Blowing in The Wind

How many roads must a man walk down,
before you call him a man?
How many seas must a white dove fly,
before she sleeps in the sand?
And how many times must a cannon ball fly,
before they're forever banned?

The answer my friend is blowing in the wind,
the answer is blowing in the wind.

How many years can a mountain exist,
before it is washed to the sea?
How many years can some people exist,
before they're allowed to be free?
And how many times can a man turn his head,
and pretend that he just doesn't see?

The answer my friend is blowing in the wind,
the answer is blowing in the wind.

How many times must a man look up,
before he sees the sky?
And how many ears must one man have,
before he can hear people cry ?
And how many deaths will it take till we know,
that too many people have died?

The answer my friend is blowing in the wind,
the answer is blowing in the wind.

The answer my friend is blowing in the wind,
the answer is blowing in the wind.


Bob Dylan

11.10.2010

Handicap

O progenitor diz: "então estou a ligar para o avô e continua a ligar para o gás?!". Acaba por decidir recorrer ao auxílio de terceiros, neste caso da filha, sempre pronta a suprir os seus défices visuais, confirmando a sua impressão: "Aqui diz Avós, não diz?"
Não dizia .. dizia gás! Parece-me que, a cada dia que passa, o progenitor se assemelha mais a uma toupeira!

Me and Bobby McGee


às vezes esqueço-me que passei tardes infinitas a ouvi-la e especialmente a esta música ... já estou distante dos pensamentos que naquela altura me despertava, mas não deixa de me fazer lembrar o verão em Mirandela quando me fazia à estrada a pé e a saia ia a arrastar pela terra.
ouvia-a há uns dias na rádio ...

11.03.2010

"Da Liberdade de Pensamento e de Expressão"

"Existe a maior diferença entre julgar uma opinião como sendo verdadeira, visto que, com todas as oportunidades para a sua contestação, não foi refutada e presumir a sua verdade com o fim de não permitir a sua refutação.
(...)
A vantagem real que a verdade possui é que quando uma opinião é verdadeira pode ser sufocada uma, duas ou muitas vezes, mas no decorrer dos tempos encontrar-se-ão pessoas que tornarão a descobri-la até que alguma das suas reaparições seja feita numa época onde, devido a circunstâncias favoráveis, escape à perseguição e tenha oposto tal frente que resista a todos os ataques subsequentes tendentes a eliminá-la.
Dir-se-á que presentemente não condenamos à morte os introdutores de novas opiniões; não somos como os nossos pais, que chacinaram os profetas; construímos até mesmo sepulcros para eles.
É verdade que deixámos de condenar os hereges à morte; e o grau de aplicação penal que os sentimentos hoje tolerariam, possivelmente, mesmo contra as opiniões mais ofensivas, não é suficiente para as eliminar.
Não nos elogiemos, porém, considerando-nos já libertos da mácula da perseguição legal. Ainda existem punições por lei para a opinião ou, pelo menos, para a sua expressão, e a sua aplicação não é, mesmo nestes tempos, tão sem precedentes que leve a crer que algum dia não possam ser renovadas violentamente." 

             John Stuart Mill, Da Liberdade de Pensamento e de Expressão

10.30.2010

A Internacional

"De pé, ó vítimas da fome
De pé famélicos da terra
Da ideia a chama já consome
A crosta bruta que a soterra"

Os progenitores iam a cantá-la no carro durante a viagem ...
... e eu entretida a pensar: "era ouriço-cacheiro para parar no meio da faixa de rodagem de um IP e ficar extasiada a olhar para os faróis de um carro".
Eventualmente, o seu pneu acabaria por me esborrachar, mas nessa altura estaria demasiado concentrada a pensar naquela brilhante e quente luzinha, tão reconfortante - o que me leva a questionar: o pico de um ouriço conseguirá furar o pneu de um carro? Em caso afirmativo, e pertencendo o carro ao legislador, seria um ouriço feliz .

10.25.2010

Emancipação

Ontem emancipei-me definitivamente!
O que espoletou (obrigada Gersão pela tua infinita sabedoria =) o verbo deriva da palavra "espoleta" e, aparentemente, o verbo "despoletar", apesar de dito amiúde, não consta do dicionário) tal acontecimento? Ter tido de passar os meus lençóis a ferro!
Aparentemente é um acontecimento trivial, sobretudo quando, há muito, aprendi a gerir as tarefas domésticas: desde adolescente que a minha roupa é segregada, cabendo-me cuidar dela semanalmente, limpo a casa - sem os progenitores presentes porque não gosto que me importunem e questionem os meus métodos -, cozinho ... mas passar a ferro os lençóis é um marco.
Vivendo numa casa que funciona em esquema de residência de estudantes, habituei-me a não dar como certa a existência de provisões no frigorífico e a ver o pó acumular-se nas prateleiras até que alguém, atacado por alergias incapacitantes, se veja obrigado, entre espirros e olhos lacrimejantes, a fazer a limpeza anual. Tal como me habituei a só comer torradas e a gostar de côdeas de pão seco - aliás, quanto mais secas melhor, o que só pode entender-se como uma manifestação de um apurado instinto de sobrevivência, prova irrefutável da evolução das espécies (para quem ainda tinha dúvidas)!
Mas ter de passar a ferro os meus lençóis é um inédito e consubstancia uma viragem fulcral no meu processo de crescimento, provando em definitivo que me basto a mim mesma.
Os progenitores surgem, hoje, apenas como indicadores do índice de subversão do sistema relacional que instituímos em nossa casa.

10.24.2010

"Nowhere Man"



nos maus dias ouço Beatles e espero ficar melhor .. nem sempre resulta. 
quando estou num dia mesmo mau, é inevitável ficar a pensar em coisas que não me levam a lado nenhum! 

10.21.2010

"Life Ain't Enough For You"


The Lengendary Tigerman feat. Asia Argento
É a música do dia

10.20.2010

Construção

Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com o seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou prá descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego...

Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com o seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou prá descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público...
Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou prá descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado...

Por esse pão prá comer
Por esse chão prá dormir
A certidão prá nascer
E a concessão prá sorrir
Por me deixar respirar
Por me deixar existir
Deus lhe pague...

Pela cachaça de graça
Que a gente tem que engolir
Pela fumaça desgraça
Que a gente tem que tossir
Pelo andaimes pingentes
Que a gente tem que cair
Deus lhe pague...

Pela mulher carpideira
Prá nos louvar e cuspir
E pelas moscas bixeiras
A nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira
Que enfim vai nos redimir
Deus lhe pague

                                                                                            Chico Buarque

10.19.2010

Num país em que, mais coisa menos coisa, tudo continua "na mesma como a lesma", nada parece mais lógico do que apelar para "a justa luta do bicho-da-fruta".
Sendo o bicho-da-fruta uma metáfora do cidadão comum, cujo quotidiano parece não ter qualquer reflexo no panorama geral, desenganem-se aqueles que, pelas conotações políticas do título do blog, pensaram tratar-se de uma qualquer afirmação ideológica.
É antes uma apologia das realidades comezinhas: esta é a minha maçã, sem pretensões.

10.13.2010

Cão Raivoso

"Mais vale ser um cão raivoso, que uma sardinha enlatadinha"

                                                                                                                                    Sérgio Godinho