10.30.2010

A Internacional

"De pé, ó vítimas da fome
De pé famélicos da terra
Da ideia a chama já consome
A crosta bruta que a soterra"

Os progenitores iam a cantá-la no carro durante a viagem ...
... e eu entretida a pensar: "era ouriço-cacheiro para parar no meio da faixa de rodagem de um IP e ficar extasiada a olhar para os faróis de um carro".
Eventualmente, o seu pneu acabaria por me esborrachar, mas nessa altura estaria demasiado concentrada a pensar naquela brilhante e quente luzinha, tão reconfortante - o que me leva a questionar: o pico de um ouriço conseguirá furar o pneu de um carro? Em caso afirmativo, e pertencendo o carro ao legislador, seria um ouriço feliz .

10.25.2010

Emancipação

Ontem emancipei-me definitivamente!
O que espoletou (obrigada Gersão pela tua infinita sabedoria =) o verbo deriva da palavra "espoleta" e, aparentemente, o verbo "despoletar", apesar de dito amiúde, não consta do dicionário) tal acontecimento? Ter tido de passar os meus lençóis a ferro!
Aparentemente é um acontecimento trivial, sobretudo quando, há muito, aprendi a gerir as tarefas domésticas: desde adolescente que a minha roupa é segregada, cabendo-me cuidar dela semanalmente, limpo a casa - sem os progenitores presentes porque não gosto que me importunem e questionem os meus métodos -, cozinho ... mas passar a ferro os lençóis é um marco.
Vivendo numa casa que funciona em esquema de residência de estudantes, habituei-me a não dar como certa a existência de provisões no frigorífico e a ver o pó acumular-se nas prateleiras até que alguém, atacado por alergias incapacitantes, se veja obrigado, entre espirros e olhos lacrimejantes, a fazer a limpeza anual. Tal como me habituei a só comer torradas e a gostar de côdeas de pão seco - aliás, quanto mais secas melhor, o que só pode entender-se como uma manifestação de um apurado instinto de sobrevivência, prova irrefutável da evolução das espécies (para quem ainda tinha dúvidas)!
Mas ter de passar a ferro os meus lençóis é um inédito e consubstancia uma viragem fulcral no meu processo de crescimento, provando em definitivo que me basto a mim mesma.
Os progenitores surgem, hoje, apenas como indicadores do índice de subversão do sistema relacional que instituímos em nossa casa.

10.24.2010

"Nowhere Man"



nos maus dias ouço Beatles e espero ficar melhor .. nem sempre resulta. 
quando estou num dia mesmo mau, é inevitável ficar a pensar em coisas que não me levam a lado nenhum! 

10.21.2010

"Life Ain't Enough For You"


The Lengendary Tigerman feat. Asia Argento
É a música do dia

10.20.2010

Construção

Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com o seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou prá descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego...

Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com o seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou prá descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público...
Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou prá descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado...

Por esse pão prá comer
Por esse chão prá dormir
A certidão prá nascer
E a concessão prá sorrir
Por me deixar respirar
Por me deixar existir
Deus lhe pague...

Pela cachaça de graça
Que a gente tem que engolir
Pela fumaça desgraça
Que a gente tem que tossir
Pelo andaimes pingentes
Que a gente tem que cair
Deus lhe pague...

Pela mulher carpideira
Prá nos louvar e cuspir
E pelas moscas bixeiras
A nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira
Que enfim vai nos redimir
Deus lhe pague

                                                                                            Chico Buarque

10.19.2010

Num país em que, mais coisa menos coisa, tudo continua "na mesma como a lesma", nada parece mais lógico do que apelar para "a justa luta do bicho-da-fruta".
Sendo o bicho-da-fruta uma metáfora do cidadão comum, cujo quotidiano parece não ter qualquer reflexo no panorama geral, desenganem-se aqueles que, pelas conotações políticas do título do blog, pensaram tratar-se de uma qualquer afirmação ideológica.
É antes uma apologia das realidades comezinhas: esta é a minha maçã, sem pretensões.

10.13.2010

Cão Raivoso

"Mais vale ser um cão raivoso, que uma sardinha enlatadinha"

                                                                                                                                    Sérgio Godinho