Cada vez que acordo às seis da manhã para tomar um comprimido apercebo-me de que a constipação deve ser das doenças mais estúpidas e não dignificadas que por aí andam: se, por um lado, não constitui motivo suficiente para faltar ao trabalho - vá, isso é só uma constipaçãozinha! - não deixa de ter consequências altamente debilitantes. Veja-se: a minha pegada ecológica aumentou exponencialmente não só devido à necessidade de um aquecedor constantemente ligado, como aos vinte pacotes de lenços que diariamente consumo; farto-me de pôr creme mas nenhum é suficientemente eficaz para neutralizar o cieiro; já para não falar da hiper-sensibilidade à luz que faz com que pareça que ando a chorar todos os amores findos.
O ano passado, com o espectro da Gripe A, o constipado ainda podia aproveitar os sintomas para afastar umas quantas pessoas no autocarro - o olhar de pânico nas suas caras não me deixava propriamente feliz, mas não posso dizer que me desagradava aquela espécie de "terra de ninguém" que surgia à minha volta, permitindo-me uma viagem mais tranquila.
Todavia, este ano, o constipado já nem constitui um perigo público e, como tal, ninguém o respeita: não beneficia de isenções, não tem direito a um lugar no autocarro e ainda leva com os olhares de gozo dos demais que (ainda) não foram apanhados pela dita constipação.
Daqui concluo, em resumo, que a constipação, dada a sua irrelevância e a curta duração, não é bem uma doença, mas uma espécie de mimo, só curável com caldinhos quentes e festinhas, com um pouco de chantagem inofensiva à mistura.
Assim, é um desperdício estar constipado quando não se tem ninguém por perto para ouvir os nossos espirros mimalhos e aconchegar-nos o cobertor, essa que é a única regalia do constipado.
2 comentários:
os teus relatos têm um cariz realista puro. há muito de eça em ti, de uma certa forma, mas há. *
Acho que uma das melhores formas de se lidar com as situações é o humor, principalmente naqueles dias em que me apetece berrar com o mundo =)
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