1.21.2011

Monólogo I

- “Então se sabias, onde fica, no meio de tudo, a tua famigerada pureza? Quem é que é puro no meio disto tudo? Qual de nós? Não nos vendemos todos uns aos outros da maneira mais porca e miserável?”*

Ele disse.

Volto para casa com o dia a amanhecer e nada de auspicioso me ocorre … Um bafo de realidade torna os recantos escuros ainda mais soturnos e a miséria mais latente.
Quero libertar-me do peso da noite e dos olhares lascivos que persisto em ignorar, mas não me é possível, sobretudo com aquela frase lapidar a matutar na minha cabeça.
Posso reduzir esta constatação ao seu aspecto mais mercantilista – e aí mais não serei do que uma peça num jogo em que perversão e sordidez se cruzam, usando-me como moeda -, porém, o que verdadeiramente me inquieta é o seu tom profético e retumbante.
Quando a pronunciou, achei que exagerava – demasiado negro – e que, algures, a pureza manteria o seu reduto. Afinal, na vida dos outros, tudo é possivel!
No entanto, a dúvida instalou-se e agora equaciono que talvez esteja certa a assunção de que, por mais nobres e altruístas que sejam os intentos, sempre são veículos dos nossos mais profundos, egoístas e inconfessáveis objectivos.
A ser assim, ele tem razão, tudo é transaccionável: corpos, amores … e mesmo convicções.

*Jorge de Sena, “Sinais de Fogo”

1 comentário:

Gersão disse...

Achas-te bem, ele exagerava. Nem tudo está disponível para ser transaccionado.