"Talvez por isso não se casou, os homens querem conversa.
Nem todos: recorde-se de passagem aquele outro caso de um moço camponês, o Mudo, que andou tempos largos amargando a faina, atento a ordens, lamentos e cantares, mexendo a cabeça para sins e nãos, os ombros para dizer não sei, respondendo de sorriso ou aceno às saudações, adeus ó Mudo. E veio aquele dia igual aos outros dias em que os homens se sentaram de roda para matar o cansaço e a sede, o cântaro passando de mão em mão. Por acaso o Mudo seria o último, e o penúltimo alambazou-se em grandes goladas. Chateado, o Mudo disse: Não a bebas toda! Olhou-o a roda num silêncio embasbacado, por fim perguntaram, mas então tu não és mudo?, e por que raio não tinhas falado nunca? - e o Mudo explicou: Ora, nunca tinha precisado."
Mário Zambujal, À noite logo se vê
Talvez a palavra oral seja mesmo sobrevalorizada ... amanhã vou testar o potencial da linguagem corporal.
Volvido quase um mês, continuo intrigada com o alcance de datas como o Dia dos Namorados - todos lhe adivinhamos o pendor comercial e admitimos ser redutor confinar-se a demonstração de afecto por "aquela pessoa" a um mísero dia no ano, mas não podemos dizer que alguém lhe seja propriamente imune.
Para além de sermos bombardeados com ofertas de produtos e serviços, nas mais das vezes, de gosto duvidoso, que visam apenas combater uma época baixa no comércio, parece que a data não consegue deixar indiferentes nem mesmo os seus mais acérrimos opositores: é vê-los a espernear e a desdobrar-se em esforços, mais ou menos ostensivos, para satirizar esta comemoração, destilando ódio.
Ao contrário, eu acho que o amor é bonito e recomenda-se, ainda que, preferencialmente, durante todo o ano e sem aquele lado kitsch.
Todavia, confesso que, mais do que os presentes estereotipados deste silly day, o que realmente faz falta é o cavalheirismo: aquele cavalheirismo à moda antiga, ainda que adaptado a tempos de igualdade.
Não sei bem em que meandros da história se perderam esses gestos, mas com eles acabou por se perder também a cortesia e a própria capacidade de agradecer quando eles nos são dedicados.
Bem sei que os tempos são de igualdade, que essas gentilezas caíram em desuso e que para alguns são mesmo ofensivas, no entanto, se a ideia era travar o fenómeno da mulher objecto, lamento informar, mas mantem-se, ganhando força por mais dissimulado e transversal, com a agravante de se ter perdido em educação.
Por isso - e talvez por umas quantas outras inconfessáveis razões - reitero que gosto que me seja dado o lado de dentro do passeio, que me abram a porta ou que me seja dada passagem, que tomem a iniciativa de pedir o lanche e que se ofereçam para me ajudar a carregar as minhas tralhas.
Não porque seja menos independente, mas porque há coisas que não têm que deixar de fazer sentido e às quais irei sempre responder, agradecendo com um sorriso.
Ainda gosto de vestidos rodados, de padrões florais, com saiotes de tule e golas amplas que me remetem para o imaginário desta música: